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Foto do escritorAndré Luiz Figueirêdo

As crianças, seus cuidadores, a educação e a saúde mental.

Parece haver uma obsessão pela felicidade das crianças. Ela precisa estar feliz, o que também pode significar não dar trabalho - mas este é outro tópico. Não há espaço para o desconforto. E como isso se relaciona com o adulto do cenário?


"Se eu não tolero o desconforto de me sentir das mais diversas formas negativas (decepcionado, culpado, rejeitado, abandonado e vai adicionando), como vou tolerar que meu filho/neto/sobrinho/aluno/paciente também acesse tal desconforto? Obviamente, não terei recurso para lidar com isso e vou buscar uma solução para o que é problemático. Mas preciso dar um nome a esse problema e não encontro em lugar algum. Já sei! Existe algum problema mental com essa criança, esse comportamento não é normal. Li sobre autismo em algum lugar, deve ser isso, talvez com um TDAH".


Naturalmente, isso é um processo mais ou menos inconsciente. Na maioria das vezes, o adulto NÃO quer que a criança ou adolescente tenha uma doença. Ele precisa de um termo claro que defina o comportamento considerado problemático da criança e respirar aliviado por saber o que é. Sabemos que o ato de nomear é fundamental para conhecimento, reconhecimento e endereçamento. Ou alguém discorda que o ato de nomear alguém é extremamente poderoso? Ao fazê-lo, estamos dando uma forma de identidade ao sujeito e dando largada à jornada da sua vida.

Pois bem, retornemos ao comportamento considerado desviante pelo adulto em questão. A queixa, em geral, parte do adulto e pode parecer bobagem, mas, muitas vezes, na avaliação, pode-se esquecer quem trouxe a criança. E isso é crucial. A escuta da queixa é fundamental - ela vai apontar os caminhos pelos quais podemos percorrer. Mas tão importante quanto conhecer a queixa relativa à criança, é conhecer quem as traz. importante conhecer a criança pelos olhos dos cuidadores: mãe, pai, avós, irmãos, tios, o tio da portaria da escola, a pró. Quanto mais pontos de vista tivermos, melhor poderemos aglutinar as percepções comuns e identificar as dissonâncias, considerando de onde o adulto fala. Relatórios, boletins, gravações... podemos ter acesso à informação das mais diversas maneiras.


Acolher quem fala é ponto-chave no manejo da situação-problema. Isso envolve escutá-la não necessariamente para concordar com suas queixas, mas para conhecer as dificuldades e poder orientá-los, visto que são as pessoas em contato mais frequente com a criança. Isso passa principalmente pela educação.


Vivemos um período em que a informação é difundida em alta velocidade e por diversos meios. Porém, além de frequentemente virem em frases curtas, vídeos ainda mais curtos e de fontes que muitas vezes são enviesadas, ainda vêm, em sua maioria, sem educação. O que acontece com informação sem educação? Catástrofes. Pensar num exemplo. Temos, portanto, um excesso de diagnósticos emitidos de modo imprudente e, muitas vezes, negligentes. E quando consideramos SEMPRE o comportamento de uma criança como doente, corremos o terrível risco de enfraquecemos a identidade daquele sujeito, sujeitando-o a uma estigmatização, além de minar a possibilidade de criação de um repertório de recursos que auxiliem no seu desenvolvimento - outro termo fundamental nesta palestra.


Voltemos a quando represento um cuidador referindo-se a um comportamento que não é normal. Mas como sabemos o que é normal ou não durante o desenvolvimento de uma criança? Clinicamente, existem diversos marcos que auxiliam na identificação de possíveis alterações na saúde do indivíduo e que consideramos que sejam mais ou menos respeitadas. No entanto, precisamos entender a história de vida dessa criança. De onde ela veio? O que ela ouve e testemunha? O que é evitado que ela ouça ou testemunhe? Com quem ela interage? Quais os recursos que seus cuidadores, se presentes, utilizam para lidar com seus próprios desafios enquanto sujeitos e cuidadores? O que ela tem aprendido e qual a via desse aprendizado? As perguntas não acabam aqui. Somo a essas perguntas, outros exemplos, como: quem sao seus cuidadores? Como se sentem no seu papel? Qual é a sua própria relação com limites? A ideia é que, juntos, profissionais de saúde mental e cuidadores, possam acessar corretamente o que se passa com a criança. Ela está ali, sendo escutada, reconhecida, auxiliada. Mas o cuidador entende o que se processa nesta jornada? Compreende que pode haver um espaço de tempo enorme entre a identificação de um problema e o estabelecimento de um diagnóstico?


É necessário saber que absolutamente tudo e todos influenciam no desenvolvimento emocional de uma criança. Muitas de suas conexões neurológicas, e algumas aréas cerebrais como a amígdala cerebral (responsável pelo valor emocional atribuído a pessoas, lugares e contextos) e o cortex pré-frontal (responsável pelo controle dos impulsos, por exemplo), inclusive, ainda estão em formação. A elaboração de um discurso e um comportamento ainda são bastante inconscientes. Ao ajudá-los a nomear sentimentos, desejos e necessidades, também podemos, com eles, fomentar a criação e otimização de estratégias para progredirem no seu desenvolvimento. No entanto, precisamos de um adulto desperto para os próprios sentimentos, desafios e limites. Além, é claro, de reconhecer as projeções feitas em cima daquela criança com base nesses três pilares. Portanto, logicamente dentro das possibilidades de cada pessoa, a orientação é de que os cuidadores procurem informar-se sobre si mesmos.


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