Estamos no mês de do Orgulho LGBTQIA+, que é caracterizado por reforçar, na sociedade, a importância de discutir as questões relacionadas a uma população historicamente desmoralizada e violentada. A escolha do mês origem na luta de mais de 50 anos atrás, em um bar de Nova Iorque, nos EUA. A lembrança, aqui, é de que é uma luta de muito mais tempo. Gostaria de trazer, além da história, que entendo que o capitalismo fagocita a tudo e todos e não seria diferente com o mês da visibilidade LBGTIA+. É muito legítima e importante a celebração dos corpos que têm seu direito à existência livre de discriminação. O que não podemos é esquecer, posto o manto da mercadoria sobre a luta desta comunidade, as marcas psíquicas que esta população carrega, logicamente em suas infinitas variações e recortes. A celebração e o orgulho das conquistas de fato realizadas até este momento não podem encobrir aspectos dolorosos da comunidade, que devem estar mais em pauta. Fico pensando na bandeirinha do arco-íris colada nas entradas de alguns espaços caracterizando o ambiente como "LGBT-friendly" e como não me recordo de ver espaços de saúde pública com algo semelhante - fora do mês da diversidade ou mesmo DURANTE o mês. Todas as pessoas merecem sentir-se acolhidas nos espaços de saúde e já ouvi alguns relatos de pacientes que temem ser discriminados somente ao entrar em um desses espaços.
A população LGBTQIA+ enfrenta desafios únicos que podem impactar significativamente sua saúde mental e bem-estar geral. No Brasil, um país - teoricamente - conhecido por sua rica diversidade cultural, a comunidade LGBTQIA+ frequentemente enfrenta estigma social, discriminação e acesso limitado a serviços de saúde. Vários estudos demonstraram que indivíduos dentro da comunidade LGBTQIA+ correm um risco maior de sofrer transtornos de saúde mental em comparação com pessoas heterossexuais. Um estudo conduzido por Mello et al. (2018) revela que indivíduos LGBTQIA+ no Brasil apresentaram taxas mais elevadas de depressão, ansiedade e comportamento suicida. A prevalência de transtornos de saúde mental entre jovens LGBTQIA+ é particularmente preocupante, com o estudo de Souza et al. (2020) apontando taxas significativamente mais altas de ideação suicida e automutilação.
O estigma social e a discriminação desempenham um papel significativo nos desafios de saúde mental enfrentados pela população LGBTQIA+ no Brasil. As atitudes homofóbicas e transfóbicas na sociedade podem levar à homofobia ou transfobia internalizada, o que pode contribuir para sentimentos de vergonha, baixa autoestima e sofrimento psicológico. Segundo Rocha et al. (2021), experiências de estigma e discriminação estão associadas a taxas aumentadas de depressão, ansiedade e abuso de substâncias entre indivíduos LGBTQIA+.
A Minority Stress Theory, proposta por Meyer (2003), explica o impacto negativo dos estressores sociais na saúde mental de populações marginalizadas, incluindo a comunidade LGBT. Essa teoria sugere que a exposição a estressores crônicos, como discriminação e preconceito, pode levar a resultados psicológicos adversos. Múltiplos estudos realizados no Brasil, incluindo os de Almeida et al. (2019) e da Silva et al. (2021), corroboraram a aplicabilidade da Teoria do Estresse de Minorias na compreensão das disparidades de saúde mental vivenciadas pela população LGBTQIA+. Isso pode ser atribuído ao conceito tanto de "Trauma Histórico" e "Trauma coletivo", considerando os atravessamentos da construção da identidade LGBTQIA+ ao longo do tempo e como uma pessoa trans no interior da Bahia pode experimentar pensamentos e emoções semelhantes à de uma pessoa trans do outro lado do Atlântico.
Reforço que o acesso limitado a serviços de saúde inclusivos é um enorme desafio enfrentado pela comunidade LGBTQIA+ no Brasil. A discriminação e a falta de atendimento culturalmente competente dentro do sistema de saúde podem impedir que os indivíduos LGBTQIA+ busquem ajuda para seus problemas de saúde mental. Um estudo de Coloma et al. (2022) enfatizou a importância de os profissionais de saúde receberem treinamento adequado para fornecer cuidados afirmativos e inclusivos para pacientes LGBTQIA+. Muitas vezes, esses atendimentos profissionais acabam contaminados por crenças pessoais (religiosas ou não) relacionadas à pessoa LGBTQIA+ e torna a questão ainda mais desafiadora.
Embora os desafios enfrentados pela população LGBT no Brasil sejam significativos, é crucial reconhecer a resiliência e os fatores de proteção que podem promover resultados positivos na saúde mental. Famílias de apoio, redes sociais e acesso a comunidades e organizações que afirmam LGBT têm sido associados à melhoria da saúde mental entre indivíduos LGBT. Um estudo de Nardi et al. (2018) destacou o papel do apoio social em amortecer o impacto do estresse minoritário nos resultados de saúde mental.
Eu, enquanto médico psiquiatra, educador e pessoa no mesmo mundo que os demais, espero ser capaz de contribuir, diariamente, em todos os aspectos, para que todas, todos e todes sintam que merecem ocupar seu lugar no mundo, isentos de violência.
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